Procura-se, no fundo, dar memória a quem nunca teve direito a ela, mas que certamente a merece e sem a qual a compreensão das sociedades de antanho será sempre distorcida.
(Leonor Salguinho Ferreira)
A economia rural portuguesa da segunda metade do século XVIII, como de outras épocas e territórios, era suportada pela força de homens e de mulheres, cujas atividades se complementavam, num sistema de trabalho agrícola árduo que nem sempre garantia a sustentabilidade do agregado. Todavia, poucos são os estudos relativos às mulheres do campo, não obstante, se saiba cada vez mais sobre o mundo laboral feminino urbano.
Através da análise de escrituras notariais, a atividade económica das mulheres rurais torna-se evidente, bem como a sua ação enquanto gestoras e administradoras do seu património, embora pouco revelem sobre as assalariadas.
A documentação de origem eclesiástica, episcopal e inquisitorial, possibilita, ainda, captar vivências femininas no âmbito do pecado público e da heresia. O estudo dessas fontes disponíveis para o concelho de Ançã permite o melhor conhecimento de mulheres da gente comum com personalidades vincadas, cuja ação era claramente notada por todos quantos a presenciavam.
As mulheres de mais elevada condição, por sua vez, faziam sentir a sua presença através da administração patrimonial que levavam a cabo, exercendo influência, por vezes decisiva, sobre os seus conterrâneos e familiares, não só através dos contratos de exploração da terra, mas também das doações ou legados que estabeleciam e que se preservam nas fontes tabeliónicas.
A presente obra pretende, portanto, contribuir para o conhecimento das sociedades rurais setecentistas, focando a sua atenção nas mulheres do concelho de Ançã na segunda metade do século XVIII.